quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O cliente tem sempre razão...


Será? Olha, acho que não concordo muito com isso não. Acho que o cliente tem razão, quando tem razão..mas SEMPRE é muito abuso.

Eu, como cliente, nunca fui abusada, nunca destratei ninguém nem agi como se "pudesse tudo" só porque estou pagando. Pelo contrário, sempre me coloquei do outro lado, do lado de quem está atendendo, servindo, cozinhando.

É claro que todos têm o direito de reclamar quando algo não é bem feito, ou de exigir que o serviço seja feito com qualidade, ainda mais quando se paga um alto preço por isso.

Mas não é a isso que me refiro. A minha bronca é com aqueles clientes que abusam desse "poder" e extrapolam. Já no Brasil isso me incomodava. Mas aqui em Londres isso é ainda pior. Não sei se é só no restaurante onde trabalho (que permite que eles sejam assim) ou se é algo geral, mas os clientes aqui são muito abusados.

Por exemplo, domingo passado foi Valentine´s Day (dia dos namorados) e elaboramos um cardápio especial para a data. O cardápio era composto por 3 diferentes pratos principais: um peixe, um cordeiro e um risoto. Recebemos uma ordem com dois peixes. Tudo certo, mandamos pro salão. Meio minuto depois o garçom volta e diz que o cliente "se confundiu" e pediu errado. O cliente, amado, não queria o peixe, ele queria o cordeiro.

E aí? o que fazer? Obviamente não vamos criar um climão em pleno Valentine´s Day e dizer pro cliente que se ele pediu errado, o problema é dele. Lá fomos nós fazer o cordeiro pro cliente querido.

E detalhe, isso aconteceu duas vezes na noite. Ou seja, eles erram e nós que temos que pagar? Eles se confudem e nós temos que jogar fora todo um prato e interromper o serviço (que estava indo perfeitamente bem) para refazer o pedido? Sinceramente? Não acho certo.

E, se eu fosse cliente (como muitas vezes sou) e pedisse algo por engano, ia até ficar chateada por comer algo que não estava nos meus planos, mas com certeza não teria a cara de pau de pedir pra trocar.

Acho isso um abuso e se um dia eu tiver meu próprio restaurante, não vou aceitar esse tipo de coisa. Claro, talvez sendo eu a dona, meu pensamento mude. É muito mais "negócio" jogar um prato de comida fora do que perder um cliente. Mas eu me incomodo não só por desperdiçar comida, ou por interromper o andamento do serviço, eu me incomodo por ter que aceitar esse tipo de coisa.

Outra coisa que me incomoda muito, e essa muitas vezes não aceito, é aquele cliente que pede "o filé, com as batatas que acompanham o peixe, com o molho do frango, mas sem creme de leite..ah, e dá pra colocar um pouquinho de arroz extra, por favor?"

Por favor digo eu! Não, não dá! E se quiser arroz, vamos cobrar uma porção extra!

Minha cozinha não é a casa da mãe Joana, onde cada um cria seu próprio prato e muda meu cardápio ao seu bel prazer. Alguma alteração pode até ser aceita, mas tudo tem limite. Por acaso está escrito no fachada do restaurante: Seja chef por um dia, monte seu próprio prato?

Não, não está escrito, então não inventa!

Ás vezes as trocas que eles pedem são tão terríveis e dariam num resultado tão desastroso que dá vontade de fazer, só por maldade, só pra eles aprenderem a não "inventar moda".

Aliás, a idéia de escrever esse post surgiu agora a pouco, depois que eu li o último texto que a Roberta Sudbrack postou no seu blog. Entre outras verdades, ela fala o seguinte:


"Não há como negar que nós, os cozinheiros, somos um pouco temperamentais demais, um pouco vaidosos demais, um pouco ditadores demais. Apegados demais às nossas receitas. Trocar batatinhas por um arrozinho pode não ser uma boa ideia. Dependendo do momento pode ser perigoso!"


Então, tentando não ser tão ditadora, eu até aceito, ás vezes, que me peçam alguma alteração, mas o bom senso tem que vir de ambas as partes...e o respeito também. Acho que isso está faltando por aqui, pricipalmente por parte dos comensais.




E a fotinho, e o Peach Melba com anglaise de pistache, que foi uma das sobremesas do Valentine´s Day!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Supper club, o cardápio!









Aqui vão as fotos e o cardápio do evento de ontem, Supper Club. Eu tinha escrito que a carne seria avestruz, mas o nosso fornecedor não conseguiu a quantidade necessária, então tivemos que mudar para filé! O cardápio foi elaborado para parear com vinho sicilianos, da Villa Tonino.


Crab w avocado, chilli & red pepper essence
Grillo, Villa Tonino, 2008, Sicily (13% vol) 100ml


Beef fillet w aligot, sprouting broccoli & pink peppercorn jus
"Blaglio Curatolo" Nero d´Avola, Villa Tonino, 2006, Sicily (13,5% vol) 125ml


Almond tart w raspberries & marsala mascarpone
NV Marsala Riserva Superiore, Villa Tonino, Sicily (18% vol) 50ml




Aligot, a saga!
















" Aligot é um prato tradicionalmente feito no sul de Auvergne (Aveyron, Cantal e Lozère) região da França feito de queijo Tomme derretido e misturado com purê de batatas, muitas vezes com alho. Na França, por vezes, uma grande quantidade é feita em uma panela grande e é vendida fresca para os que gostariam de comprá-lo no mercado.
Este prato foi originalmente feito de pão por
monges que o prepararam para os peregrinos a caminho de Santiago de Compostela, mas as batatas foram substituídos após a sua introdução para a França, porque eles permitiram que uma consistência mais desejável".
Pois bem, na última sexta-feira de noite, estava eu na cama, tentando dormir, quando comecei a pensar no cardápio que faríamos na segunda (ontem), no nosso evento mensal chamado "Supper Club". A carne já estava decidida..seria avestruz. Precisávamos só de um acompanhamento com um preço regular, mas nem por isso desinteressante. Fui pra internet pesquisar...não lembro exatamente como, a idéia do aligot surgiu na minha cabeça.
Claro que eu já tinha lido e ouvido falar sobre ele, mas até então nunca tinha feito. Achei um vídeo o Alex Atala mostrando como se fazia..e dizendo que não era esse bicho de sete cabeças que todo mundo fala. Realmente, o prato é simples: purê de batatas com queijo...quer coisa mais fácil?
O único "inconveniente" disso tudo, foi que eu resolvi fazer o aligot sem levar em consideração que o jantar seria para 40 pessoas..ou seja, a panelinha que o Atala mostra no vídeo, foi substituida por duas panelas gigantes...e o trabalho que parecia simples, me tomou quase 4 horas e muita, muita energia.
Lá fui eu cozinhar 10 kg de batata (sim, nós duas, eu e a Amy, erramos no cálculo e fizemos aligot para 80 pessoas). Depois descascá-las quentes..até aí tudo bem...chato, mas fácil...O problema começou na hora de fazer o purê..e detalhe, não pode ser um purê qualquer...tem que ser um purê perfeito e cremoso, sem nenhum pedaço de batata.
Amassei, amassei, amassei e amassei..depois coloquei na batedeira..bati, bati, bati, bati...Foi pra panela...Comecei a mexer (10 kg de batata) e como estava muito pesado, dividimos em dois...mexe aqui, mexe ali...não, mas não estava bom..ainda estava com bolinhas...
Tirei do fogo e tentei acabar com as bolinhas com o mixer...tava dando certo, mas muito demorado...a idéia boa chegou e colocamos no processador...pronto, ficou perfeito, macio e cremoso...e volta pro fogão, volta pra duas panelas..
Ô bagunça, ô sujeira...mas tava dando certo. Começamos a colocar o queijo..e mexe, mexe, mexe...Olha, deu trabalho..mas deu certo! Na hora que comecei a "brincar" com ele para dar elasticidade, me senti uma criança, de tão feliz e emocionada, passando o aligot de uma colher para a outra.
Foi muito cansativo, mas valeu a pena..o aligot ficou uma delícia e foi a estrela da noite...era só o que se falava no salão.."O que é esse aligot?"alguns vieram perguntar. Eu estava abrindo a boca pra dizer: é só purê de batata e queijo...mas a Amy, sabiamente, me interrompeu e disse: é segredo, e muito trabalho..levou 5 horas pra ficar pronto!
Tá certa ela, depois de tanto suor, não vale transforma-lo em algo simples..apesar de ser!
Nas fotos ali de cima vocês podem ver o trabalhinho que deu..e na primeira foto, eu feliz, "brincando" com ele.
Na verdade, o jantar inteiro foi um sucesso, vou fazer um novo post com o cardápio e as fotos dos pratos..
E, quem quiser se aventurar, o link do vídeo do mestre Alex Atala é esse aqui:
Mas já aviso: "Crianças, não tentem fazer isso em casa" , ou pelo menos não para 40 pessoas!