domingo, 24 de outubro de 2010

Três anos de cozinha..o que aprendi, o que desaprendi....o que mudou!


Agora, em novembro, fará 3 anos que trabalho como cozinheira...parece que foi ontem e ao mesmo tempo parece que faz uma eternidade que entrei na cozinha do Bistrô da Rua pela primeira vez. Primeira tarefa: descascar batatas..segunda tarefa: limpar a geladeira...acho que vou lembrar pra sempre.

Nesses 3 anos aprendi muito...mas hoje não quero escrever sobre o que aprendi em termos de técnicas ou como venho aprimorando meus conhecimentos...Hoje, quero falar do que aprendi sobre mim mesma, de como mudei minha maneira de ver as coisas e as pessoas e como isso afetou e vem afetando meus últimos meses no The Wet Fish Cafe.

Desde pequena, eu sempre gostei de mandar..sempre gostei de dar as regras do jogo, de inventar as brincadeiras, de decidir quem ia brincar com a Barbie loira e quem ia brincar com a morena, de quem ia ser a polícia e quem ia ser o ladrão.

Talvez, por eu ser a mais velha dentre meus irmãos e primos, isso nunca foi um problema..era natural que eu ditasse as regras.

Na cozinha, percebi que mandar era muito bom...muito melhor do que ser mandada...Claro, no começo ouvir as ordens era uma benção, já que eu não sabia muito o que devia ser feito...mas, depois de um tempo, comecei a ter mais confiança, e cada vez que recebíamos um estagiário eu ficava toda "boba", pois sabia que poderia dizer a alguém o que fazer...é uma bobagem, claro, mas dá uma sensação de "importância".

Confesso, com um pouco de vergonha, que eu adorava fazer o papel de megera...e segui nesse papel por bastante tempo. Não me importava em apontar os erros e as mancadas dos outros (agora, com bastante vergonha) e não me sentia nem um pouco mal se precisava xingar ou dar uma repreendida um pouco mais rude. Continuei assim por um bom tempo, no Bistro e também no The Wet Fish...tive desavenças com algumas pessoas (e inclusive escrevi aqui no blog) e nunca me importei se alguém não gostava de mim..eu estava ali para fazer o meu trabalho da melhor maneira possível e quem estivesse na minha frente para atrapalhar, era devidamente "varrido" para fora...

Quando tudo mudou? hmmm, provavelmente quando eu recebi todo o "poder" para mandar e desmandar: quando assumi a cozinha como "head-chef".

Nesse mesmo período eu me separei do meu ex-marido, e talvez, naquele momento eu estava precisando mais de amigos do que de funcionários...acabou que eu me tornei tão próxima e tão amiga de todos eles que não consegui mais ser "chefe"... muitas vezes eu via as coisas erradas mas não queria chateá-los, não me sentia bem para repreender e dizer que o que eles estavam fazendo era errado.

Fui deixando tudo correr solto demais e quando tentei reverter a situação, já era tarde. Hoje, tenho amigos, a cozinha está a "deus dará" e eu preciso colocar tudo no lugar antes de ir embora no final do ano.

Antes, as pessoas que vinham para fazer testes iam embora me odiando...semana passada, uma menina me abraçou e me beijou antes de ir embora... como foi que mudei tanto?

Por que é tão difícil encontrar o equilíbrio? Como se faz para que todos façam aquilo que tu queres mas ao mesmo tempo não te odeiem?

Aprendi que é difícil, muito difícil ser "o chefe" e que ainda preciso aprender muito. Mas a experiência foi válida...da próxima vez espero não errar tanto...

domingo, 3 de outubro de 2010

É importante reconhecer a hora de partir...


Woowww..quase 4 meses depois, cá estou eu de volta. Digamos que passei por alguns momentos de baixa inspiração e não quis vir aqui sem ter nada pra contar.

E agora, venho pra dizer que minha vida no The Wet Fish Cafe está com os dias contados.

Depois de muito pensar e repensar cheguei a conclusão que saber a hora de partir também é muito importante.

Eu aprendi muito e cresci muito profissionalmente durante esse mais de um ano e meio que passei por aqui, mas agora preciso de mais. Já dei a eles tudo o que eu tinha, tudo o que eu sabia..agora sinto que ando em volta, sempre de um lado para o outro, com mas mesmas coisas de sempre.

Eu preciso ver coisas novas, ver novos chefs trabalhando, vivenciar outros estilos, outras maneiras, outras culturas..preciso renovar a minha bagagem..não só renovar, mas fazer um "up grade"... Afinal, eu também não tenho tanta experiência assim. Desde que comecei meu primeiro curso de gastronomia, só se passaram 3 anos e alguns meses...por sorte (e também muita dedicação) consegui "subir" rápido, mas sinto que é hora de ir uns degraus abaixo para aprender um pouco mais.

Queria ir para uma cozinha grande, daquelas de filme, onde cada um fica numa seção..onde alguém vai gritar comigo e me dar uns xingões, hehehe...onde eu vou ter que reaprender a engolir sapos e ficar quieta quando alguém quiser me ensinar como fazer arroz..onde eu não vou participar das reuniões nem tomar decisões importantes...mas é disso que eu preciso, de novos desafios, de coisas à alcançar, de objetivos, do tipo: quero ser a sous-chef dessa cozinha... quero mais, quero ajudar a fazer o menu...

Eu preciso disso..por mais que eu ame meu trabalho, e amo muito, preciso de ter ambições, senão, com o passar do tempo, tudo fica meio chato e sem graça, sem grandes emoções.

Então, acredito que um pouco antes do Natal, eu vou em busca de um outro fogão..aonde ainda não sei, mas o mundo tá aí, cheio de cozinhas...e como diz meu "muso" Daniel Boulud, um chef pode trabalhar em qualquer lugar, pode colocar seu estojo de facas embaixo do braço e sair mundo à fora.

Com certeza vou sentir muitas saudades dessa minha cozinha, dessa família de malucos que tenho aqui em Londres...um polonês, Marcin, que gosta de ser chamado de "Polaco Primitivo" (apelido que ganhou do grego). Se faz de durão e quer que todos pensem que ele é do mal, mas no fundo tem um coração mole...Fala "kurwa"(puta em polonês) de 5 em 10 palavras...nas outra 5 ele fala "fucking". Mesmo assim, é o meu braço direito. O grego, Pavlos, acabou se tornando um dos meus melhores amigos e vai ser, com certeza, um dos que mais vou sentir falta. Ele é o kp (que lava as louças), mas digamos que a principal função dele naquela cozinha seja a de nos fazer felizes. Tem também o Andrew, o jamaicano, que está sempre disposto a me ouvir e a me dar conselhos do bem. Junto com o grego, faz o "shift" mais divertido da história, daqueles de chorar de rir..de quase fazer xixi nas calças de tanto gargalhar das besteiras que eles falam. Se tornou um grande amigo, a ponto da mulher dele me ligar pra me avisar que não quer essa amizade.." fui bem clara?" Santa paciência!
E, finalmente, temos o Wesley, o sul-africano..calmo, tranquilo..canta ópera e dança na cozinha. Quando eu deixo ele comer uma sobremesa, dança com movimentos obcenos...lava as mãos mais do que o necessário e gasta todo o rolo de papel toalha....é daqueles que quando a gente fala pra pedir ou explicar alguma coisa, fica o tempo todo dizendo: yeah, yeah, yeah, yeah...hehehe..provavelmente não ouve metade do que eu digo, mas mesmo assim se puxa..sabe como combinar sabores e tem um ótimo gosto para as apresentações.

Com certeza vou sentir muita falta dos "meus meninos"...que às vezes parecem meus filhos, disputando atenção e ficando com ciúmes quando eu defendo mais 'esse ou aquele"...e as mulheres que já trabalharam comigo na cozinha que me desculpem, mas trabalhar com homens e muito mais divertido.

Vou com a sensação de missão cumprida. Dei o melhor de mim e fico muito feliz pelos resultados que tivemos...agora, como sinto que não posso dar mais o meu melhor, é hora de partir.